RELINCHOS DA MEIA-NOITE

Depois daquela noite, a fazenda e seus arredores nunca mais conheceram sossego. Às primeiras luas cheias, os campos ficavam coalhados de pegadas que ardiam no chão como brasas apagadas, mesmo que nenhum cavalo restasse mais por ali. O cheiro de enxofre misturava-se ao de esterco, e os bois nas pastagens vizinhas berravam sem parar, como se também percebessem a presença de algo que rondava.

A sede daquela fazenda, hoje, não passa de um esqueleto de madeira apodrecida e cercas caídas, mas ninguém se atreve a entrar. O mato engoliu os currais, e as baias se encheram de morcegos e teias. Mesmo assim, em certas madrugadas, é possível ouvir o som claro de ferraduras batendo no chão duro, como se um tropel invisível, cruzando os campos.

Quem se arrisca a passar na estrada próxima garante ter visto luzes trêmulas de lamparina vagando entre as sombras, e uma voz rouca repetindo o mesmo lamento:

— Eles não esquecem… não esquecem…

Alguns juram que, se o vento estiver certo, é possível sentir o cheiro de suor de cavalo vindo direto das ruínas. Os cães latem para o nada, os bois travam os cascos no chão, e até os pássaros evitam voar sobre aquele pedaço de terra.

A lenda cresceu. Dizem que, quem ousa entrar no curral, volta marcado: na sola dos pés aparecem desenhos de ferraduras, queimando a pele como se tivesse pisado em ferro em brasa. Outros afirmam ter visto vultos de cavalos negros, imóveis, com olhos humanos brilhando no escuro, observando em silêncio — esperando, sempre esperando.

Moradores da redondeza afirmam que o velho capataz da fazenda ainda anda pelos caminhos de terra batida, com a lamparina morta na mão, chamando pelo nome dos cavalos desaparecidos.

E a verdade é que ninguém nunca mais conseguiu passar uma noite inteira dentro da fazenda. Todos que tentaram fugiram antes da meia-noite, perseguidos pelo som de cascos atrás de si, sem nunca enxergar quem corria.

O lugar ficou assim, preso numa eternidade de lamentos. Uma fazenda de criação que perdeu todos os seus cavalos, mas que continua viva naquilo que ninguém explica: nos relinchos arrastados que cortam a madrugada daquele tropel invisível que ecoa sobre as colinas, nos olhos vermelhos que se acendem por trás das frestas de madeira podre.

Porque certas presenças não partem. Apenas ficam rondando, à espera de quem ouse interromper seu silêncio.