O ESGRIMISTA DO CAOS

Segunda-feira. Nada mais irritante do que acordar com ressaca e ainda ter de enfrentar o trânsito enlouquecido.

Ao urinar, lembrei-me dela. – Que gata! Que noite!

            Naquela avenida, um ônibus cruzou a minha frente. Acelerei, mas o semáforo fechou. Deixei a janela do carro aberta; o ar-condicionado havia estragado. Não tardou para um menino exibir-se com malabares em frente ao meu carro enquanto me olhava; um dos malabares caiu no chão. Desviei a atenção. Logo ao lado, um pedinte se aproximou; fechei a janela; um vendedor de sei–lá-o quê demonstrava as virtudes daquele produto, jogando-o para cima e o aparando com rapidez. Ofereceu-me. Agradeci. E tudo isso em   segundos. Logo em frente, uma interminável obra pública.

– “Cacete”, como é que eu não me lembrei dessa obra?  Desviei e perdi uns quarenta minutos.

Iríamos almoçar juntos, mas esqueci em casa o papel onde ela anotara o seu telefone para combinarmos local e horário.

Minha secretária estava nervosa. Dois pacientes esperavam enfurecidos pelo meu atraso. Cumprimentei-os e, antes de ouvir as reclamações, menti ter realizado uma cirurgia de emergência numa criança. – Foi um sucesso…., afirmei, mostrando um sorriso aberto e entrei rápido no consultório.

Á noite eu ligo pra ela e invento outra cirurgia de emergência pra justificar o furo que dei no almoço.

            Almocei um sanduíche trazido pela minha secretária. A cabeça ainda doía. Tomei um analgésico. A tarde mostrava-se intensa. Fui para o hospital, pois havia uma cirurgia marcada, e essa era de verdade. Diverticulite. Sofria muito aquela senhora de oitenta e três anos. Doença crônica com elevado grau de risco porque a paciente era cardíaca e estava bastante debilitada. Foi a óbito durante a anestesia.

            Dirigi às pressas do hospital ao consultório; três outros pacientes me esperavam.

 Droga de ar-condicionado!

           Fechei a janela apesar do calor; no semáforo, queriam me vender balas e chicletes.

Preciso encontrá-la mais uma vez…

           Alguém logo atrás buzinou; acelerei, abri a janela e fiz alguns gestos obscenos para o apressado. No caminho, lembrei-me de buscar minhas roupas que havia deixado na lavanderia. Mudei o trajeto e encontrei outra obra pública pela frente! Atrasei-me mais uma vez para as consultas.                

Meu apartamento estava imundo. A faxineira não fora trabalhar. Encontrei o papel com o telefone dela. Não atendeu. Deixei recado. Esperei. Tentei mais uma vez e nada.

Resolvi ir ao cinema sozinho. Já era noite. Na saída do cinema, meu carro não estava mais no estacionamento daquele shopping. Fui a pé até a Delegacia e registrei o furto.

Telefonei pro meu advogado. Não atendeu

Pra que serve o celular se ninguém o atende?

Estava com o seguro do meu carro em dia. Tomei um remédio para relaxar e dormi.

            Terça-feira. Fui de táxi ao hospital. Mais uma cirurgia me aguardava. Meia-hora de trânsito. Alguns desvios.

– Setenta reais? Isso é um assalto, falei ao taxista.

           Dessa vez a paciente não morreu. Outro táxi, mais setenta reais e o costumeiro atraso.

            Liguei pra ela. Atendeu, finalmente. Não reconhecera a minha voz, mas, logo após, lembrou-se e recusou meu convite para o almoço. Estava furiosa e desligou. Comi um sanduíche no consultório.

            A polícia havia achado o meu carro e o levara para o depósito. Cancelei as próximas consultas e fui até lá para retirá-lo. Estava sem os quatro pneus, a estepe e as minhas roupas recém lavadas que deixara no porta-malas. Perdi um pedaço da tarde para resolver essa situação. Saí às pressas, porque o gerente do meu Banco pediu que eu fosse até lá.  Um “hacker” havia entrado em minha conta. Fui ressarcido. Confirmei o futebol noturno, mas fui chamado de volta ao hospital. Não consegui jogar; o paciente requeria muitos cuidados. Ainda no trânsito, liguei de novo pra ela. Enfim, após um enorme empenho, topou o convite pro jantar.

            Busquei-a com os pneus e estepe novos de meu carro e menos dois mil reais no bolso, afora as roupas lavadas que também foram levadas. Terminamos a noite num motel.

             Quarta-feira e sequer havia estudado para a prova seletiva a o mestrado. Reservei a noite para estudar e realizar os testes simulados.

              Recolhi a xícara suja de cafezinho sobre a mesa, joguei fora o pão já mofado, coloquei meus livros em posição e o interfone tocou. Enquanto ela subia, corri de um lado a outro, arrumei e escondi o quanto foi possível.

  Ela dormiu lá em casa; – mais uma noite fantástica!

  Quinta-feira. Acordamos cedo e a levei para sua casa.

            O seu marido antecipara o retorno da viagem e estava impaciente. Ela havia desligado o celular. E eu sequer sabia que ela era casada! Saí sem ser visto.

            Não fosse apenas isso, fiz a prova de proficiência e acho que não me sai muito bem; fui até a Embaixada dos Estados Unidos para entregar meu pedido de visto. Esqueci o passaporte em casa. Falei com a minha secretária e avisei do novo atraso. Busquei o documento, voltei à embaixada, mas já havia encerrado o expediente.

      – Bem que a semana poderia terminar hoje!

Minha ex-mulher, uma preguiçosa, telefonou. Queria falar sobre a pensão alimentícia.

            – Não dá pra nada, rosnou a inimiga.

 Cadê o meu advogado? Por que não atende o celular? Telefonei para o seu escritório e me disseram que estava em Brasília e só voltaria na semana seguinte. Pedi pra “ex” aguardar mais uns dias para conversarmos. Ela não gostou; a sua advogada, uma velha barraqueira, ameaçou “retirar o meu escalpo” caso eu não dobrasse a pensão.

 Quanto custaria um matador de aluguel para ex-mulheres?

            Cinco e meia daquela mesma tarde, de volta ao hospital, preparei-me para entrar no bloco cirúrgico; o anestesista avisou que não estava se sentindo bem e a paciente teria que ser operada outro dia.

Esqueci o aniversário da minha mãe!

            Minha secretária me avisou que o cheque do filho daquela paciente que havia morrido durante a cirurgia, fora sustado. A família me culpava pela sua morte.

– Manda a “porra” desse cheque pro escritório do meu advogado!

Ao manobrar na garagem do meu prédio bati numa pilastra e amassei a lataria. 

Pedi uma pizza e fui pra cama. Não visitei a minha mãe. Estava exausto.

            Sexta-feira. Acordei cedo e fui correr no calçadão. Uma hora de suor. Cheguei no consultório sem atrasos e passei o dia por lá; tudo estava calmo e os pacientes foram todos atendidos.  Consegui passar na prova! Voltei pra casa.

Já na porta de casa, procurei nos bolsos e havia esquecido as chaves em algum lugar. Berrei! O zelador chamou um chaveiro; abriu a porta em segundos. Paguei duzentos reais! As chaves estavam sobre a mesa da sala.

            Tocou o celular. Era ela. Seu marido viajara e amanhã seria sábado.

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