A REUNIÃO DOS NÚMEROS

Naquela manhã ensolarada, a Praça do Cálculo estava particularmente agitada. Os dez algarismos — de 0 a 9 — haviam sido convocados para uma reunião extraordinária. O motivo? Ninguém sabia ao certo. O rumor era que alguém andava se achando mais importante do que os outros.

O 1 foi o primeiro a chegar, claro. Orgulhoso de ser “o começo de tudo”, ficou postado bem no centro da praça, com o peito estufado como um mastro.

— Sempre eu primeiro — murmurou com satisfação.

Logo veio o 0, rodopiando leve, elegante, como quem não carrega peso algum.

— Sem mim, você não vale dez — provocou, dando uma piscadela.

1 franziu a testa. Detestava ser lembrado de que dependia de alguém para “crescer”.

O 2 veio saltitando em ritmo de dupla sertaneja, o 3 apareceu rindo alto de suas próprias piadas, e o 4, metódico, trouxe uma prancheta — ninguém sabia o motivo. O 5 chegou equilibrando-se no meio-fio, indeciso se ficava de um lado ou do outro.

O 6 e o 9 vieram juntos, como sempre, confundindo todo mundo.

— Você está de cabeça pra baixo — disse o 6.

— Ou será você? — respondeu o 9, com ar filosófico.

O 7, com cara de intelectual rebelde, preferiu se encostar na parede, observando todos com desconfiança. Já o 8 chegou com seu jeitão de “superior”, exibindo curvas perfeitas como se fosse o centro do universo.

— Olhem bem para mim — anunciou. — Sou o equilíbrio, o infinito disfarçado.

Todos bufaram. O 8 adorava um monólogo.

Quando todos já estavam presentes, surgiu de repente o misterioso 10 — uma dupla improvável: o 1 e o 0 de mãos dadas.

— Chegamos — disse o 1, orgulhoso.

— Sempre juntos — completou o 0, sorridente.

Um burburinho se espalhou. 10 não era “um” algarismo, mas se comportava como se fosse. Isso irritava os outros profundamente.

— Eu não entendo — resmungou o 3. — Por que eles têm direito a dois dígitos e ainda posam como estrela?
— Estrela nada! — respondeu o 2. — Isso é concentração de poder!

O 8 ergueu as sobrancelhas:

— E ainda querem ser chamados de “dez”? Ora, ora…

O 1 e o 0, fingindo não ouvir, subiram no pequeno palanque da praça.

— Senhores — começou o 1 —, precisamos nos organizar. Os números crescem, o mundo está ficando mais complexo. Não podemos mais ser apenas “algarismos soltos”. Precisamos nos unir.

— Unir? — ironizou o 7. — Ou vocês querem mandar na gente?

O 0 tomou a palavra:

— Juntos, podemos formar dezenas, centenas, milhares…

— Escravidão numérica! — gritou o 5, sempre dividido entre concordar ou discordar.

— Ou revolução — murmurou o 9, invertendo seu sorriso.

O 2 propôs, então, um rodízio de liderança. O 8 retrucou que só aceitava se o cargo tivesse pompa e coroa. O 6 se perdeu no próprio raciocínio, tentando se lembrar se era 6 mesmo. O 4 queria atas e regras claras. O 3 ria de tudo, achando que era uma grande brincadeira.

E foi aí que começou o caos aritmético. Todos falavam ao mesmo tempo:

— Eu mereço estar no topo!

— Sem mim vocês não existem!

— Somos todos iguais!

— Mas alguns são mais iguais que os outros…

No meio da confusão, o 10 apenas observava, silencioso. Sabia que, mais cedo ou mais tarde, todos acabariam precisando dele — ou de sua ideia de “união”.

A praça ecoava em gritos, piadas, promessas e equações inacabadas. O 0 girava em volta de si mesmo, o 8 ensaiava um discurso triunfal, e o 7, com olhar enigmático, já planejava uma rebelião silenciosa.

Lá no alto, o Sol parecia sorrir diante daquela algazarra matemática.

No final, ninguém decidiu nada. Mas algo estava claro: a contagem nunca mais seria a mesma.

E enquanto o 1 e o 0 se afastavam de mãos dadas, uma pergunta pairou no ar como um número invisível: será que a unidade suportaria ser coletiva?

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