Era uma manhã gloriosa em Brasília — ou, pelo menos, era o que dizia a nota oficial de imprensa. No Congresso Nacional, os lustres reluziam como dentes clareados, as câmeras piscavam como vaga-lumes ambiciosos e os parlamentares caminhavam pelos corredores com a pose de quem tinha acabado de inventar a democracia.
A pauta do dia era de urgência nacional — ou, segundo alguns assessores, ninguém sabia bem do que se tratava. Oficialmente, discutia-se se deveriam ou não criar uma comissãoparamarcar uma reunião que decidiria se valia a pena debater a possibilidade de formar outra comissão.
O primeiro a discursar foi o deputado Severino dos Puxadinhos, especialista em transformar vento em manchete:
— “Senhores e senhoras, hoje é um dia histórico! Estamos diante de uma decisão que mudará o rumo do país… ou pelo menos dará a impressão de que algo aconteceu!”
A plateia de assessores aplaudiu com entusiasmo coreografado.
Em seguida, subiu à tribuna a deputada Magnólia do Progresso, conhecida por falar sem jamais concluir:
— “Precisamos de união. Precisamos de coragem. Precisamos de um futuro para o presente e um presente para o futuro. Precisamos, sobretudo, de mais verbas para… quero dizer, para a nação!”
Enquanto ela falava, o senador Tertuliano do Trono dormia de boca aberta, sonhando com uma aposentadoria vitalícia. Um assessor cutucou-o discretamente; ele abriu os olhos e gritou:
— “Eu voto sim!”
Ninguém tinha perguntado nada, mas seu voto foi aplaudido e computado.
O presidente da sessão, Deputado Zé do Rolê, ajeitou o paletó com seriedade teatral:
— Colegas, vamos manter a seriedade deste debate. A pátria nos observa. A pátria confia. E, principalmente, o bufê fecha em meia hora. Vamos votar se votamos hoje ou se votaremos amanhã sobre o que deveríamos ter votado ontem.
Um coro de “muito bem!” ecoou, embora ninguém soubesse exatamente o que havia sido dito.
A senadora Lurdinha dos Privilégios, sempre pronta para criar soluções que não resolvem nada, levantou-se:
— Proponho a criação de uma Comissão Especial para tratar da falta de definição desta Casa. Porque se há algo que sabemos fazer bem… é criar comissões!
O painel eletrônico piscou em verde:
“Comissão Permanente Provisória para Análise Temporária de Assuntos Urgentes Eventuais — Aprovada.”
Deputados comemoraram como se tivessem acabado de assinar um tratado de paz mundial. Selfies foram tiradas. Hashtags foram lançadas. “Vitória da democracia”, era o grito de ordem.
Na saída, declarações inflamadas:
— “Hoje, mostramos que a democracia funciona!”
— “Foi um passo firme rumo ao futuro do Brasil!”
— “É a vitória do povo brasileiro!”
Do lado de fora, o povo, preso no trânsito, olhava para o celular e se perguntava quando, exatamente, esse tal “futuro” começaria.
Enquanto os carros oficiais deslizavam para os restaurantes da capital, o Senador Tertuliano já cochilava novamente, sonhando com uma sessão onde ele não precisasse fingir estar acordado.
E no painel eletrônico, piscando solenemente, lia-se:
“Sessão encerrada. Assunto adiado para análise na próxima reunião extraordinariamente ordinária.”
Do lado de fora, no céu azul anil de Brasília, um bando de urubus sobrevoava o Congresso — mas ninguém sabia ao certo se estavam ali por acaso…
