Do interior daquela cela, a sua mais nova moradia, nada mais poderia fazer. Ruminava a dor e a luz da vida se lhe apagara.
“A confissão liberta o pecador”. Esse era o ensinamento que recebera. Compreensível conservar senão aquilo que a sua consciência lhe exigisse. Confessou.
– Matei minha mulher!
A educação que lhes transmitiram teve a marca da austeridade. Católico fervoroso, seus princípios enraizados não lhe alcançavam argumentos para dissimulação. Logo após o crime, dirigiu-se à Delegacia de Polícia e assumiu a autoria. A confissão atenuou-lhe a pena, mas não lhe apaziguou a alma.
– Foi por amor! Assim afirmou ao responder à inquirição judicial.
Durante o julgamento, seu defensor procurou demonstrar que a traição da mulher justificara o crime; o réu agira em legítima defesa de sua honra, mas não surtiu o resultado pretendido.
– Crime hediondo; assim sentenciaramos jurados. Homicídio por motivo fútil era a agravante.
Fora acometido de um ímpeto ao descobrir que a sua amada gozava em braços alheios. O amante alertado, fugira pouco tempo antes da sua chegada ao covil.
Uma faca fora o instrumento utilizado por diversas e vigorosas vezes no abdômen e no coração da adúltera. Essa arma sempre preferiu às demais nos crimes de alcova até por ser de simbolismo fálico. Esculpiu a sua ira no desnudo corpo da pecadora. Com o sangue jorrado das entranhas, escreveu na parede do quarto daquele miserável motel a dúvida que lhe acompanharia para sempre: – por quê?
Se a justificativa para aquele ato escapou à Justiça dos Homens, aguardaria a Justiça Divina. Rezava.
O conflito entre o certo e o errado, a passagem de um contrário a outro, o resultado de tensões que se chocam, era-lhe apenas a convicção da justeza de seu ato, observada, agora, somente através daquelas grades em paralelo. Rezava.
Anoitecia. Amanhecia. E o amanhecer no cativeiro reservara a afirmação da existência na negação do tempo, a eternidade de limites elásticos, o nada. A submissão ao tempo jamais interrompido pela regularidade cíclica do relógio guardava-se própria àqueles presidiários que ultrapassavam a crise dos primeiros meses. O desespero cederia lugar à pacata esperança pelo amanhã.
Voltou-lhe à lembrança de uma noite quando, ao som do oboé choramingando no canto da sala, dançava com sua amada com corpos colados, amando-se logo a seguir sobre o tapete dócil acomodado em frente ao calor da lareira. Rezava.
Não conseguindo exorcizar a angústia e o efêmero, tampouco escapar à roda inexorável do tempo que avançava cruel, emergiu de sua ilha a pergunta:
– Motivo fútil? Será?
Solidão, insônia, incerteza, depressão, remorso. Os dias curtos e as longas noites, as horas mergulhadas na imensidão dos lentos segundos trouxeram-lhe a loucura. Nunca mais rezou.
