O JULGAMENTO

(Esta é uma obra de ficção e qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência)

Era uma manhã abafada no Tribunal lotado com jornalistas, curiosos e estudantes de Direito desesperados por horas de estágio para a faculdade. O caso parecia ser inusitado: o réu estava sendo acusado de roubar… uma galinha de estimação.

O Juiz, homem com semblante sério e muito respeitado, declarou:

— Está aberta a audiência!

Nesse instante, a porta se abriu e alguém atirou uma galinha para dentro da sala de audiências, sob protestos do Oficial de Justiça que não conseguiu evitar. O réu havia solicitado a um amigo que trouxesse aquela galinha como prova material de sua inocência.

A ave, pouco tempo antes, estava ciscando tranquila no meio do Tribunal, deixando para trás lembranças pouco higiênicas.

— Oficial! Tire esse animal daqui, ordenou o Juiz. A vítima, com o olhar surpreso, afirmou:

—  Excelência, essa é a minha galinha que foi roubada!

  — Meritíssimo, com todo respeito, a prova não pode ser retirada deste ambiente, retrucou o advogado de defesa com um tom dramático e seguiu: sem a galinha, como poderei provar que não houve roubo, mas apenas um empréstimo afetivo feito pelo meu cliente?

O promotor ergueu-se indignado:

— Excelência, “empréstimo afetivo” não existe no Código Penal!

— Pois devia existir! — gritou uma senhora da plateia, arrancando gargalhadas.

A testemunha de defesa foi chamada: era vizinho do réu que entrara na sala de audiências com um saco de milho em mãos.

— Seu juiz, disse a testemunha, eu vi o réu carregando a galinha sim, mas ela estava apenas com interesse no milho e não nele.

— Objeção! — berrou o Promotor ao ver o saco de milho e o interesse da galinha. — O depoente veio alimentar a ave, por acaso?  Isso seria manipulação da prova!

Nesse mesmo instante a galinha, empolgada, voou em direção ao saco de milho, derrubando papéis, a caneta do Juiz e, ainda, defecou o em cima de sua mesa.

— Ordem! Ordem no Tribunal! — bradou o magistrado, enquanto a galinha também pulou para a mesa do escrivão.

O estagiário encarregado de digitar a ata, tentou acompanhar:

“Às 10h45, a galinha interrompeu os trabalhos, saltando sobre as mesas e causando badernas, sendo contida apenas quando a testemunha de defesa entregou-lhe um punhado de milho que estava dentro de num saco.”

O Juiz suspirou derrotado: — e eu estudei vinte anos para isso.

O promotor tentou recuperar a dignidade:

— Excelência, se admitirmos que a galinha possa ser objeto de “empréstimo afetivo”, amanhã mesmo teremos pedidos de pensão alimentícia para cachorro!

Nesse momento, o papagaio da vítima que veio escondido com um amigo seu, gritou lá do fundo:

— Ladrão – Ladrão!

A plateia veio abaixo em risos. No fim, o Juiz suspendeu a sessão sem dar a sentença.

— Ficará para amanhã. Preciso refletir se estou julgando um crime ou assistindo a um circo.

No dia seguinte, o Tribunal amanheceu ainda mais lotado. Já havia vendedores de pipoca e de algodão-doce na porta. Alguns estudantes de Direito distribuíam panfletos com o título: “Caso da Galinha: um marco do Direito Contemporâneo”.

Dentro da sala de audiências, o Juiz ajeitou a toga e bufou:

— Hoje eu quero ordem absoluta! Não admito mais palhaçadas…

Foi nesse momento que jogaram novamente a galinha pra dentro, desta vez com uma fitinha vermelha amarrada no pescoço. A plateia explodiu em aplausos.

— Silêncio! — gritou o Juiz. — Isto é um Tribunal, não um show de talentos!

Mas a galinha subiu na bancada e, como se obedecesse a um roteiro, botou um ovo bem no colo da vítima, seu pretendo dono.

O promotor se levantou e conclui com o peito estufado:

— Excelência, eis a prova irrefutável de que a galinha pertence à vítima e que foi furtada pelo réu!

O advogado de defesa rebateu:

— Protesto! Este ovo pode ter sido fruto do estresse causado pelo próprio processo! Prova nula, portanto!

A plateia ria demais e o estagiário digitou: “Às 11h12, a galinha produziu prova em formato de ovo, sendo tal prova contestada veementemente pela defesa.”

A sala de audiências foi novamente aberta e, dessa vez, entrou um vendedor de pipoca.

— Pipoca doce ou salgada, seu Juiz?

O Juiz, massageando as têmporas, percebeu que perdera completamente o controle da situação.

— Vocês estão transformando o meu Tribunal em um hospício. E eu não vou permitir, bradou o julgador, levantando-se bruscamente e tropeçou na toga e foi ao chão. O Oficial de Justiça, ao escutar o barulho, entrou na sala, deixando a porta aberta. A galinha, vendo a oportunidade,  saiu correndo pelo corredor.

O Juiz, já em pé, gritou para o Oficial de Justiça: pegue essa ave, tentando restaurar a ordem.

A plateia foi ao delírio, aplaudindo como se fosse final do show. O magistrado, exausto, levou as mãos à cabeça e o advogado de defesa cochichou para o Promotor:

— Conforme a sentença, esse caso poderá ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal. Só espero que o Relator do processo não seja o Ministro Alfredão, senão o meu cliente estará ferrado….

E a galinha, lá fora, ciscava feliz, dona de um caso jurídico que já fazia história.