Próximo à beira do rio das Almas, onde o sol se despede atrás das montanhas, vivia Miguel, um menino de nove anos, magro, de olhos claros e jeito distraído. Gostava de brincar com pedrinhas e conversar sozinho ou nem tão sozinho.
— Eles me chamam, mamãe — dizia, olhando o curso d’água. — Falam comigo.
Dona Rosa, mulher de fé, benzia-se.
— Ave Maria, Miguel, para com isso. Criança não fala com quem não se vê.
Mas o menino sorria, como quem guarda um segredo. À noite, enquanto o vento varria o terreiro, ele se levantava e ia até a beira do rio, guiado por vozes que só ele ouvia.
Certa vez, o pai, Seu Benício, homem rude e incrédulo, o seguiu escondido. Viu o filho sentado na margem, falando baixinho, o rosto iluminado pela lua.
— Eles estão chorando, pai — disse Miguel, sem se virar. — São os que se afogaram no rio. Dizem que não sabem pra onde ir.
O homem sentiu o sangue gelar; lembrou-se da enchente ocorrida há doze anos e dos corpos levados pela correnteza.
— E o que eles querem, meu filho? — perguntou seu Benício, com a voz trêmula.
— Que alguém ore por eles. Que alguém diga que o caminho da luz é pra cima, não pra baixo da água.
No dia seguinte, o padre foi chamado. Recomendou rezas e promessas, e mandou o menino ficar longe do rio. Mas Miguel adoecia quando o impediam de ir. Tossia, tremia, perdia a fala — até que a mãe, aflita, o levou de volta à beira d’água.
Ele ajoelhou-se, fechou os olhos e orou como quem já nascera sabendo:
— Que Jesus leve vocês pra casa. Que o rio vire estrada de luz.
Depois disso, o menino voltou a brincar, sereno como nunca. As vozes cessaram.
Meses se passaram, numa noite de lua cheia, Miguel sumiu. Encontraram apenas suas sandálias deixadas na margem do rio.
Dona Rosa jurava ter ouvido risadas de criança no vento. Seu Benício, antes descrente, passou a acender velas todas as manhãs à beira do rio.
E, até hoje, quem caminha por lá jura ouvir, ao entardecer, um sussurro leve entre as águas:
— O caminho da luz é pra cima…


