Na pré-escola Girassol, um prédio amarelo que parecia estar sempre sorrindo para o sol, tudo acontecia do mesmo jeitinho todos os dias. As crianças chegavam correndo, os sapatos batiam nas lajotas, e a professora Ana organizava os lápis de cor como se fossem pequenos soldados prontinhos para a aula.
Mas, naquele início de ano, ninguém imaginava que ali nasceria uma amizade capaz de mudar um pátio inteiro.
Clara era uma menina branca, dona de um cabelo loiro que se espalhava pelo ar como fios de luz. Ela vinha de uma família rica e muito importante. Chegava à escola sempre com uma lancheira nova e perfumes que pareciam feitos de flores de verdade. As outras crianças achavam que Clara escolheria como amiga alguém que combinasse com seus laços de cetim.
Só que Clara tinha uma característica especial: ela não combinava com o esperado. Ela combinava com o que a fazia feliz.
Naquele dia, enquanto todos brincavam em grupos barulhentos, ela percebeu um menino sentado sozinho no tapete azul. Era Mateus, negro, de olhos muito atentos e sorriso tímido. Seus tênis estavam gastos, e seu carrinho vermelho parecia ter viajado pelo mundo inteiro, de tão arranhado.
Clara aproximou-se, como quem anda rumo a um mistério.
– Oi… posso brincar com você? — perguntou com naturalidade.
Mateus ficou sem saber o que dizer. Aquilo nunca tinha acontecido tão cedo, tão rápido.
– Pode, disse ele, empurrando o carrinho na direção dela.
E naquele empurrão tímido, começou tudo.
A partir daquele dia, Clara e Mateus se tornaram inseparáveis. No recreio, eles correndo juntos pareciam dois cometas cruzando o pátio. Dividiam lanches e histórias: Clara contava sobre suas viagens com a família; Mateus falava de como ajudava sua mãe a cuidar da horta no quintal.
Quando Clara ofereceu um biscoito caro, Mateus compartilhou o melhor pedaço de bolo de fubá que já tinha existido. Os dois comemoraram como se estivessem dividindo um tesouro.
Mas nem todo mundo entendeu aquela amizade tão cedo.
– Clara, por que você brinca com ele? – perguntou um colega, franzindo a testa.
– Porque eu gosto dele – respondeu ela, como se fosse óbvio.
Mateus ouviu a resposta e sorriu, sentindo o peito esquentar como quando o sol toca a pele no inverno.
Com o tempo, começaram a aparecer olhares curiosos. Alguns adultos cochichavam baixinho na entrada da escola; algumas crianças repetiam frases que tinham ouvido em casa e que nem entendiam direito.
Um dia, durante a aula de pintura, duas meninas fizeram piadinha sobre Mateus ter as mãos “sujas”, enquanto Clara usava tintas brilhantes e limpas. A professora Ana percebeu o clima pesado.
Antes que Clara reagisse, Mateus abaixou os olhos, envergonhado. Clara, no entanto, endireitou a postura, pegou um pote enorme de tinta azul e mergulhou a sua mão naquela tinta. – Agora, minha mão também está suja – disse ela, levantando a palma azul como um troféu. – Vamos pintar juntos?
Mateus ergueu os olhos, surpreso, sorriu e mergulhou sua mão na tinta vermelha. Logo, os dois deixaram marcas pela cartolina inteira, criando a pintura mais bonita da sala: mãos azuis e vermelhas dançando em círculos.
A professora Ana guardou aquele trabalho para sempre. Ela dizia que aquela era “a arte de quando o improvável venceu”.
Veio então o dia mais esperado do semestre: a Festa do Conhecimento. Cada turma apresentaria um projeto, e o deles seria sobre animais do mundo inteiro. A professora Ana dividiu duplas para fazer cartazes.
– Clara e Mateus – ela anunciou.
Muitos cochicharam: “Claro, né? Eles sempre juntos.”
Clara e Mateus trabalharam com entusiasmo. Clara recortava figuras; Mateus fazia desenhos incríveis. Juntos, criaram um cartaz gigante sobre girafas, com manchas tão perfeitas que pareciam vivas. No dia da exposição, o cartaz virou atração.
Um menino mais velho elogiou:
– Uau, vocês fizeram isso juntos?
Mateus respondeu com um orgulho que quase cabia no peito:
– Fizemos. Nós somos uma equipe.
Clara assentiu e completou:
– Ele desenha melhor do que qualquer pessoa que eu conheço.
E, de repente, outros alunos começaram a ver Mateus com novos olhos – não como “o menino negro e humilde”, mas como “o artista do cartaz das girafas”.
No último dia antes das férias, enquanto guardavam os brinquedos, Clara olhou para Mateus e disse:
– Você sabe, né? – você é o meu melhor amigo.
Mateus ficou envergonhado. Um sorriso cresceu devagar, como uma flor abrindo.
– Você… você também é a minha melhor amiga.
Os dois riram, segurando o carrinho vermelho e um laço azul da mochila de Clara, como se fossem tesouros iguais.
E assim, entre giz colorido, bolo de fubá e tintas que transformavam mãos em arte, a união deles virou possível, virou verdade. Um mundo onde amizade não tem cor, nem preço, nem limite. Só tem coração.
Naquele pátio da pré-escola Girassol, os corações de Clara e Mateus já sabiam de uma coisa que muitos adultos ainda estavam aprendendo: que as melhores amizades nascem de olhos curiosos e mentes abertas.


