SINTOMAS DO OBSOLETO

                Talvez eu seja o único a conhecer os seus mais íntimos segredos. Tornei-me seu melhor amigo e testemunha presencial de quase todas as horas. Éramos colegas de trabalho no banco há muitos anos e estávamos sempre juntos. Caros leitores, se estão pensando que existe algo a mais entre nós, eu lhes respondo: sim, existe amizade sincera entre um homem e uma mulher. E não, nada há entre nós que não seja uma admiração mútua.

Jovem e atraente, mas infeliz. Descobrira, junto comigo, que seu marido a estava traindo.

Dessas coisas que acontecem ao acaso, certa manhã de uma segunda-feira qualquer, ele cedo se despediu dela e saiu para o trabalho. Nós, pouco tempo depois, nos encontramos e fomos correr ao redor do parque, pois nosso horário de trabalho se iniciava às 10h. Nem bem concluímos a primeira volta quando ela o avistou sentado no gramado à beira do lago. E não estava só. Uma loira com uma calça muito justa que fazia os contornos de um corpo escultural, apoiava a cabeça em seu colo enquanto ele suavemente alisava os seus cabelos. Paramos de correr. Ela ficou ali, estática, ruminando a cena daquele improvável casal.

Ainda atônita, saiu dali e ligou imediatamente para uma de suas amigas; mais uma vez, é claro, presenciei tudo.

– Amiga, tu nem imaginas o que acabei de ver!

Enquanto ela contava o inusitado e ao mesmo tempo secava as suas lágrimas, caminhávamos pelo parque sem um rumo definido.

Ela não é daquelas de fazer escândalo. Ao contrário, é educadíssima, um tanto retraída e muito amorosa. Por isso, fomos embora dali e retornamos as nossas casas.

Mais telefonemas para a sua mãe e outras amigas. E mais lágrimas. À tardinha, seu marido chegou do trabalho, beijou-a no rosto e foi para o banho, como se nada tivesse ocorrido. Seus olhos estavam inchados de tanto chorar, mas ele sequer percebeu.

– Safado!     

Os dias se passaram, falávamos sempre entre nós, mas não mais voltamos ao parque. A tristeza que a acometera era de partir o coração. Andava murcha, sem brilho, sem graça. Sua única válvula de escape eram as nossas conversas e as horas e horas de telefonemas, trocando centenas de mensagens por WhatsApp com seus contatos mais próximos. 

Ela havia dito para a sua mãe que não passaria de hoje a conversa que teria com ele.

– Mãe, não aguento mais; preciso colocar um ponto final em tudo isso.

Durante aquela tarde de sábado, ela ensaiou em voz alta frente ao espelho, telefonou para todas as suas amigas conselheiras e, é claro, para mim.

     À noite, quando ele voltou do seu futebol habitual, foi tomar banho, enquanto ela o esperava na sala.

– Preciso conversar contigo. Senta aqui! – Assim disse ela, com tom severo.

Ele se sentou com a cara mais deslavada possível!

Ela seguiu exatamente o roteiro da conversa que havia ensaiado, deixando seu celular ligado para que eu pudesse ouvir a conversa. Começou:  

– Há exatos quinze dias, pela manhã, eu estava correndo no parque e te vi sentado à beira do lago…

De repente, tudo ficou em silêncio! Como assim? Eu não ouvia mis nada! Caiu a ligação? Deu pau na internet?  

Dia seguinte, fui cedo até a casa do casal ou até o ex-casal para entender o ocorrido; ela abriu a porta, quando me deparei com a mesa do café da manhã finamente posta, uma única e bela rosa vermelha no vaso de centro, duas taças cheias com espumante – espumante no café da manhã?

Certamente eles estavam comemorando alguma coisa.            

Pelamordedeus! O que foi que eu perdi? Como isso pode ter acontecido?

Finalmente, dei-me conta de que chegara ao fim o meu velho e surrado celular; estava desatualizado, levava muitas horas para dar carga e a sua bateria não durava mais nada….